5.
A
litost é um estado tormentoso que nasce do espectáculo da nossa própria miséria subitamente descoberta.
Entre os remédios habituais contra a nossa própria miséria, há o amor. Porque aquele que é absolutamente amado não pode ser miserável. Todas as fraquezas são resgatadas pelo olhar mágico do amor, em que até a natação desajeitada, com a cabeça erguida acima da superfície da água, se pode tornar encantadora.(...)
A
litost funciona como um motor de dois tempos. à angústia sucede o desejo de vingança. O objectivo da Vingança é conseguir que o parceiro se sinta igualmente miserável. O homem não sabe nadar, mas a mulher esbofeteada chora. Podem portanto sentir-se iguais e preseverar no seu amor.
Como a vingança nunca pode revelar o seu verdadeiro motivo (o estudante não pode confessar à jovem que lhe bateu por ela nadar mais depressa do que ele), tem de invocar falsas razões. A
litost nunca passa, por isso, de uma patética hipocrisia.
(...)
Mas como poderá o estudante fazer mal a Christine? Antes de ter tido tempo para imaginar o que quer fosse, já ela subira para o comboio. Os teóricos conhecem uma situação deste género e afirmam que se assiste, nesse caso, àquilo que designam como
bloqueio da litost.
É o pior que pode acontecer. A
litost do estudante era como um tumor que aumentava de minuto para minuto e ele não sabia o que fazer com ela. Com não havia ali ninguém em quem pudesse vingar-se, aspirava pelo menos a uma consolação. Por isso se lembrou de Lermontov. Lembrou-se de Lermontov a quem Goethe havia ofendido, a quem Voltaire havia humilhado e que lhes tinha feito frente a todos gritando o seu orgulho, como se todos os poetas sentados em volta da mesa não passassem de professores de violino e ele os quisesse provocar para que o atirassem pela janela.
O estudante desejava Lermontov como se deseja um irmão e meteu a mão no bolso. Os dedos sentiram uma grande folha de papel, dobrada. Era uma folha arrancada a um caderno e onde se lia:
Estou à tua espera. Amo-te. Christine. Meia-noite.
Compreendeu.O casaco que hoje vestia estava ontem pendurado num cabide, no quarto. A mensagem tardiamente descoberta só lhe confirmou o que já sabia. Tinha falhado o corpo de Christine por causa da sua própria estupidez. A
litost enchia-o a transbordar e não descobria por onde fugir.
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[e a título de curiosidade (e de provocação.)]
«(...)
--Ouve, Boccaccio, disse Goethe, porque é que te gabas sempre de seres misógino?
--Porque os misóginos são os melhores homens.»
A estas palavras, todos os poetas reagiram fazendo assuada. Boccaccio foi obrigado a elever a voz:
«Compreendam-me. O misógino não despreza as mulheres. O misógino não gosta da feminilidade. Os homens dividiram-se sempre em duas grandes categorias. Os adoradores de mulheres, por outras palavras os poetas, e os misóginos, ou, melhor dizendo, os ginófobos. Os adoradores ou poetas veneram os valores femininos tradicionais como o sentimento, o lar, a maternidade, a fecundidade, os lampejos sagrados da histeria, e a voz divina da natureza em nós, enquanto para os misóginos ou ginófobos esses valores inspiram um certo receio. Na mulher, o adorador venera a feminilidade, enquanto o misógino dá sempre preferência à mulher em prejuízo da feminilidade. Não esqueçam uma coisa: uma mulher só pode ser verdadeiramente feliz com um misógino. Connvosco, jamais uma mulher foi feliz!»
Misógino,
adj. e
s. m. que ou aquele que manifesta misoginia.
Misoginia,
s. f. qualidade ou estado de misógino; horror às mulheres (o homem) ou às relações sexuais normais.
Ginofobia,
s. f. aversão às mulheres; o m. q. ginecofobia. (Do gr.
gyné, «mulher» +
phoébeo, «ter horror».)