Grandes dias, pequenas existências
terça-feira, maio 31, 2005
  Doutor Jivago
Dizia Iuri Jivago que "o homem nasceu para viver, não para se preparar para a vida"... Dr. Jivago era um poeta. E a sua estória é ponto de partida para se abordarem sentimentos pessoais de indivíduos comuns que amam e sofrem em qualquer época, turbulenta ou tranquila. Sentimentos que nos lembram que qualquer zona do mundo é formada por pessoas assim. Jivago, um humanista e intelectual , homem das artes e da medicina como Tchekhov, divide toda a sua vida em amores distintos. Amores não relevantes neste contexto se não para demonstrar as vicissitudes da estória, cujo labirinto de encontros e desencontros vai sendo reconstruído pouco a pouco e mostrando que a História Universal é como uma força moldada pelo homem que, por sua vez, é capaz de moldar a vida de cada indivíduo.
E há alguns anos atrás fechei um livro de um qualquer autor de nome Boris Pasternak, e sonhei...
Sonhei que havia carros silenciosos, que não havia idades, nem religiões, nem sexos, com todos os assexuados dedicados apenas e só às paixões da alma e que toda a gente sorria... Todo o ser sorria ao vislumbrar um outro e olhava-o com olhos de ver.
Saramago diz que é preciso Ver, não simplesmente olhar.
Mas somos poucos os que Vemos. Porque antes dos protocolos, das burocracias e da inteligência, são pessoas os seres com quem (não) lidamos diariamente. E não basta olhar o outro...é preciso Ver. É urgente abandonar a falsa ingenuidade que nos leva a pensar que temos que nos preparar para a vida. Porque viVer é olhar com olhos de Ver. J.A.V.
 
segunda-feira, maio 30, 2005
  Poeta é qualquer um...
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
(Ary dos Santos)

Unam-se todos os poetas à respiração do mundo. J.A.V.
 
domingo, maio 29, 2005
  O níquel-surpresa ou o Défice Manuel, 4 anos
"Portugal está na miséria. Diz-se por toda a parte: o país está perdido."
E diariamente a percentagem da população portuguesa que tem dois miolos com nomes e moradas diferentes (e não uns quaisquer siameses estupidificados) continua a impressionar-se com a actualidade do Sr. Eça de Queiroz, 160 anos, que não cessa nunca de escrever ironicamente sobre aquela que é a sua tão amada Pátria. Portugal está perdido?! Claro que não. Se não vejamos um inquérito efectuado pelo projecto conjunto Público/Produções Fictícias/Farol de Ideias na passada semana (Cf. p. 4, I.P.):
Acha bem o Guterres ter ganho aquela cena dos refugiados?
Lauribela Camacholas, 65 anos, única que notou que a Grécia lá nos ganhou mais uma: Preferia que tivesse vencido o Festival da Eurovisão, que é um espectáculo mais bonito.
Défice Manuel, 4 anos, sacaninha que não pára de crescer: As coisas de que um homem é capaz só para não reconhecer que é meu pai.
António Vitorino, 48 anos, asilado político em risco de ser deportado à força para as presidenciais: Ah, malandro que já me lixaste!

Perdido?? Naaaaa..!!
Apenas falido. Numa entrevista acalorada sobre o estado da também Sua Pátria, Victor Constâncio, 50 e não sei quantos anos ao certo, afirmou que é preciso apertar o cinto e cortar nos luxos porque, pelo andar da carruagem, o défice público vai atingir os 10 milhões de euros em pouco tempo; Uffa.. podemos todos respirar descansados, agora que o Benfica ganhou, as coisas finalmente entram nos eixos e o governo de Sócrates que vinha, qual cavaleiro andante, salvar-nos da recessão, vai poder enfim deixar de aguardar à beira da estrada europeia pela boleia económica almejada e poderá basear todo o seu (futuro) crescimento económico nesta vitória que tranformou Portugal num campeão. Nas sábias palavras de quem sofreu e lutou por este título, Francisco Pedro, 18 anos, partilhamos todos desta enorme alegria e gritamos em uníssono com ele: Benfica, faz-me um filho!! Uma alegria certamente grande que penetra fortemente, cada dia mais, os corações de todos os portugueses que vêem agora neste engrandecimento da também Sua Pátria, uma escapatória às mesclas de asneiras deixadas pelo anterior Governo do P.S.D. Sim, porque ninguém esqueceu a proibição da exibição do filme P.S. Amo-te nas salas de cinema portuguesas em vésperas de eleições.. Pensavam eles que éramos todos americanos! Mas não somos! E como bons portugas que todos somos votámos e escolhemos... E P.S. Amo-te foi o nosso slogan. O filme foi um estrondo de popularidade (qualquer confusão relativamente ao filme é compreensível, dados os cortes efectuados pela Censura P.SiDica a fim de não proibir por completo um filme de tanto renome internacional Afinal, o país nunca poderia perder uma oportunidade de ouro de exibir um filme estrangeiro! As instalações cinematrográficas e os técnicos de passagem de filmes que fazem parte desses museus onde P.S. Amo-te foi exibido, de Norte a Sul do país, ganharam uns trocos para poderem tomar um cafezinho nos dias das exibições e o Sr. Dr. Santana Lopes pôde adormecer calmo e sorridente nessas noites a pensar em todo o extra acumulado pelo IVA, ganho à custa de um filme cujo título enaltecia o P.S... e nessas noites, o sonho repetido de um homem baixinho, gordinho e enfezadito com o Portas ao lado--o que sempre favorece bastante a imagem do Sr. baixinho, gordinho e enfezadito--a gritar a plenos pulmões: Toma, Sócrates, embrulha!, proliferava a sua mente). E também o título do filme foi modificado.. Ao certo não se sabe bem para quê e todos os espectadores assíduos que têm por hábito pendurar bilhetes em quadros de cortiça terão sempre uma mancha negra para onde olhar e recordarem sempre a bela neblina que foi o estrondoso filme.
Mas estávamos na mistificação do herói que Portugal é agora graças ao Benfica. Paulo Portas arrepende-se agora da frase que proclamou aquando das campanhas políticas para se manter no poder: "O Défice é útil a Portugal.". Mas não há que haver arrependimentos, Sr. Dr. Paulo Portas. Pode sempre dar uma imagem de bonzinho espalhando aos sete ventos, qual Heidi a correr pelos prados, "Demito-me para evitar um pântano deficitário" como o disse António Guterres antes da cena dos refugiados. Se acho bem que ele tenha aceite? Mas pois claro!
Agora podemos todos pegar nas sábias palavras de Ferro Rodrigues e gritar "Estou-me cagando para o défice!" porque é o que todos sentimos fraternalmente neste momento. Juntemo-nos todos a Portas que corre pelos prados desde a sua demissão.. E as reformas a partir dos 65 anos? Qual carapuça! Agora poderemos todos trabalhar em paz no conforto das nossas casas porque o Benfica foi campeão. (E os futebolistas passam a pagar impostos?? Haum... Vou deitar-me e ter o mesmo sonho outra vez.)
E perguntam pela perda de fundos europeus atribuídos a Portugal? Pois a economia portuguesa não se limitará a estagnar mas sim a regredir bastantes séculos até à Idade Média. E o que pensamos nós disto? Todos concordamos com as sabiíssimas palavras do nosso Sr. Primeiro Ministro que numa tentativa de desdramatizar afirmou pretender incentivar a construção naval e a exploração marítima e esperar que a história se repita. Eu cá por mim rebusquei nos baús dos meus tetravós e encontrei o que me parecem ser chapéus da época de D. Afonso Henriques aquando da conquista do Condado Portucalense. Afinal, devemos sempre estar um passo adiante. Ou um passo atrás... Fosse o Défice Manuel ter pensado assim e não se encontraria agora na situação dramática que está a tentar ultrapassar. (E soube-se agora, numa notíca de última hora e em primeira mão, aqui no orapazquermorrer, que o Défice Manuel teve um acidente de carro esta madrugada.. Agora perguntamo-nos..Seria bebida? Desgosto e consequente tentativa suicida? Cá por mim foi provavelmente o Dr. Durão Barroso que desgostoso do estado em que os senhores PSDianos deixaram o défice --"de tanga"-- achou que mais valia acabar de vez com o sofrimento do pobrezinho.. afinal, era ainda uma criança...)
E deparamo-nos assim com um duelo de titãs... Do alto da minha sabedoria, tenho dois conselhos aos gigantes:
O primeiro para o Défice Manuel, pela pequena e insignificante relação que mantive com ele durante os últimos 4 anos, que foi tudo menos insignificante: Põe-te a pau manelinho que sempre te dissemos que não queriam saber de ti para nada! E não desesperes! Quando os cachecóis do Benfica acabarem eles não vão ter para onde se virar.. Tem calma que a vida não acaba hoje.
O segundo, para a contraparte deste último, para o Sr. Zé Sócrates, para que se ponha a pau e não se convença de que os sonhos são a realidade como fez o Dr. Santana, tão preocupado que estava aquando daquela operação plástica à Santanete número 308 que não correu como esperado (proíbido o display da fotografia por possíveis perturbações cardio-respiratórias a leitores mais sensíveis patológica e/ou psicologicamente), "O défice acabou." (Coitadinho do Pedro...).

E para quem leu atentamente este foral auspicioso, qual arauto que corre pelos prados com Portas, outros dois conselhos:
  1. Façam como eu: parem em frente a uma máquina de parqueamento numa tarde soalheira para atarem os vossos atacadores, de rabo virado para Este, e pode ser que ouçam um tliimm; esse será o sinal de que estamos a ficar mais perto de ultrapassar Espanha em termos de condições económicas. Eu chamei aos meus 10 cêntimos o níquel-maravilha mas cada um pode dar o nome que bem lhe convier ao seu.
  2. Entretanto, gritem todos em uníssono com o Dr. Bagão Félix, que marcou o défice com a sua (também) sábia frase, sempre orgulhosos deste Portugal que é a nossa Pátria: Éssélebê! Éssélebê! Éssélebê! Éssélebê! Glorioso! Éssélebê! Glorioso Éssélebê!

Próxima edição: "Têxteis chineses lançam milhões de bichos-da-seda no desemprego".

Com a cortesia do I.P. J.A.V.

 
sábado, maio 28, 2005
  Shall i compare thee to a summer's day?
("Desde que entrei estou a ver-me a dançar ali em cima")

Cortou o cabelo à tesourada; não estava satisfeita. E sonha um dia dançar num palco gigante e que lhe digam que ninguém é melhor que ela.

Falou do Francisco e dos seus dias; falar era o seu vício. E sonha um dia dançar num palco gigante e que lhe digam que só uma é melhor que ela.

Muitas sombras movimentavam-se entrecortadas por focos de luz num tecido de papel; dançavam sem parar. Uma lágrima escorreu a sua face e muda murmurou: "Não acredito que já estou a chorar..." Saias verdes e brancas e azuis e vermelhas ondulavam no grande palco e os corações batiam-lhes descompassadamente... Que sonho de uma noite de Verão seria aquele?
Gritos. Um burro entra em cena. Uma duquesa verde deslumbrante dança em redor dele. O burro é inocente. Não consegue amar o que não lhe é permitido. Brinca com elfos e fadas... Mas... um ser verde e brilhante... não..! Há danças de amor e danças de ódio. Cegos perante amores imaginários, os homens lutam pelas mulheres erradas. Luzes azuis e espelhos e estantes de proporções gigantescas. No fim há uma Estifes loira e barbuda e um muro e o luar (com os ramos da árvore e o cão) ... e há risos e choros de risos e danças; emparelhadas, brancas leitosas.. (Não acredita que é agora na sua face que cai uma lágrima). Pontas e feridas, voar e imaginação... Tudo num Sonho de uma Noite de Verão.


Que és um dia de Verão não sei se diga.
és mais suave e tens mais formusora:
vento agreste botões frágeis fustiga
em Maio e um Verão a prazo dura.
O olho do céu vozes sem conta abrasa,
outras a tez dourada lhe escurece,
todo o belo do belo se desfasa,
por caso ou pelo curso a que obedece
da Natureza; mas teu eterno Verão
nem murcha, nem te tira teus pertences,
nem a morte te torna assombração
quando o tempo em eternas linhas vences:
enquanto alguém respire ou possa ver
e viva isto e a ti faça viver.


William Shakespeare
Bailarinas e chanfradas alternativas..juntas. J.A.V.
 
  Bobby Long was just waiting for a love song
"Hapiness gives us in height what it doesn't give us in lenght". Traduzido à letra será qualquer coisa como "a felicidade dá-nos em altura o que não nos dá em comprimento." De facto, não vivemos o suficiente para sentirmos a felicidade por completo. Ou se calhar isto são só palavras de quem perdeu por completo a esperança, ou de quem nunca a teve, de quem não sabe o que é a felicidade.
Pois eu sei que a esperança me inundou enquanto assistia ao cantar belíssimo de um coração que foi um solitário caçador, numa qualquer sala 7, descalça e absorta.
Há o correr-se um prado sem sapatos para se sentir a relva nos dedos dos pés e há o andar-se uma cidade inteira sem sapatos para iludir o corpo e enganar as dores. E há o vestir-se um fato a cheirar a mofo e chamar-se uma grande família de homens, que a são por escolha, para juntos fazerem 500 km a pé a fim de assistirem à graduação de uma filha que é a de todos eles. E a felicidade começa sem ser chamada.
Há uma simplicidade tocante na voz da (minha) Scarlett, e toda a história que a acompanha nesta viagem a New Orleans, e por arrasto ao Alabama. Há o sotaque de gente pura que não sabe como viver melhor, há as esperanças de quem faz o que não quer numa contínua busca de felicidade recíproca. Dou-te um pouco, dás-me um pouco. As gentes são absorvidas pelo que têm de conceder a outrem para receberem em troca. Dou-te um copo de sumo com gin e uma casa destas, com as minhas músicas inundada, e escreves um livro sobre mim. Este é o desespero de Bobby Long. Desesperadamente, sempre esta necessidade de arranjar um motivo para ultrapassar mais um dia de arrastamento e sangue e urina. E a morte vem destabilizar a inquietude deste sujeito. Não é agradável perder-se um ser esplenderoso, menos ainda um que nos encheu Secretamente o espírito de esperança. Queiramos ou não, a esperança morre com a morte. Um bocadinho mais a cada morte. Porque quando alguém morre, a esperança que morre é a da nossa vida com quem perdemos, não pela vida de quem se foi. Choramos por nós aquando da morte.. E invade-nos um medo destabilizador e inquietante que não nos deixa dormir durante a noite e nos impede de erguer a cabeça. Bobby Long sabe disso. Sabe que Lorraine era a sua esperança e que agora está morta. E sabe que a eterna produção do seu livro será para sempre isso mesmo.. eterna (passo as 101 redundâncias que consegui fazer numa mesma frase).
O que Bobby Long não sabia é que há sempre uma erva daninha (=Purslane) que nos enche o espírito... Até os clichés são incrivelmente brilhantes neste filme. O livro acaba produzido e fica a erva daninha de mãos dadas com a poesia...

Somos todos ervas daninhas...
Umas douradas chamadas Beldroegas, outras espirituosamente brancas chamadas Bobby e outras ... outras roxas, vermelhas ou sem cor alguma; muitas delas sem nome.
Pois que sejamos todos ervas daninhas... J.A.V.
 
sexta-feira, maio 27, 2005
  A Criação
Dizem que criar é sempre complicado... Fernando Pessoa e seus conterrâneos (e porque não todos os anteriores que provavelmente sofriam a cada minuto) falavam constantemente na dor de pensar, nessa dor que é a dor de criar, essa extrema dor de quem sabe o que sente e não consegue saber o que escreve. "O que escrevo fica sempre aquém do que penso." E alguém menosprezava este dito "porque escrever é fácil se se souber do que se quer falar". Se calhar somos todos demasiado diferentes e há sempre alguém a quem não dói... Eu sou a prova de que dói.. porque tenho 303 blocos cheios de nada onde tento a toda a hora atingir isso a que se chama Criação. Com uma Branca sempre perdida no caminho da fuga... Um punhado de folhas cheios de loveers e de meses e de histórias de encantar precedentes... E sempre a dor. A dor agradável que sempre foi, esta de buscar palavras e descobrir diariamente que é impossível atingir a perfeição...e que não há nada de mal nisso. Porque assim sempre escreveremos mais... porque só assim a vontade de ter um blog na internet, que se prolonga há tanto tempo, é finalmente transformada em realidade. A dor que se partilha... de uma úrsula buendía* J.A.V.
 
Complexo e intangível,nervoso e irrequieto, intrincado e obnubilante, balbúrdico e heteróclito, marafado e perscrutante, mírifico e adstringente, contráctil e obstipante, cataclísmico e necrófilo, hemorrágico e micótico,extra-fofinho ou nada fofinho, observador e acutilante.. ou nem tanto... Truísmos (extra)ordinários (des)mistificados aqui partilhados.

Escreve-me:
ursula.iguaran@hotmail.com


(os ditos tempos já decorridos):
maio 2005 / junho 2005 / julho 2005 / agosto 2005 / setembro 2005 / outubro 2005 / novembro 2005 / dezembro 2005 / janeiro 2006 / fevereiro 2006 / março 2006 / maio 2006 /


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