Grandes dias, pequenas existências
sábado, junho 25, 2005
  Blogues
Blogues por Vítor Rainho
"Esta foi uma semana verdadeiramente surpreendente. Não sou muito dado a perder horas na Internet, só o faço por razões profissionais, mas com a nomeação para director interino do Blitz vi-me na necessidade de ir espreitar o que dizem sobre o assunto, até porque fui avisado por um fã dos blogues e afins. É impressionante como as pessoas na Net escrevem verdadeiras pérolas de bom e mau-gosto sob a capa do anonimato. Nunca entendi muito bem a razão de tanta cobardia, pois na vida nunca tive de me esconder para dizer o que quer que fosse. (...)
Os blogues têm essa vantagem. Funcionam como terapia grupal e descobrem-se «verdades absolutas» sobre o que quer que seja. Tirando isso, são, obviamente, espaços onde se encontram discussões interessantes e onde as pessoas que não têm acesso aos «media» tradicionais podem expôr as suas ideias. Existem bons textos, bem elaborados e onde se vislumbram novos caminhos. Onde os cibernautas, em vez de irem para discotecas e bares, passam as noites a colocar os seus pensamentos em dia. Onde se picam uns aos outros.
Curiosamente, constata-se também que as pessoas, regra geral, têm dificuldade em aceitar ideias diferentes das suas. Percebe-se que, quando passam ao insulto gratuito, não têm jogo de cintura. Um mal português, que os blogues talvez ajudem a alterar no futuro. Eu, que encontrei um personagem que não conhecia ao espelho, fiquei fã, embora por fora. Já tenho tempo de antena suficiente nos jornais para dizer aquilo que me vai na alma. Sem me esconder e sem medo. Afinal, as ideias devem ter rosto."

"Na Noite" pág.123, Única, Expresso nº 1704, 25 Junho 2005
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Sr. Vítor Rainho,
Na minha cólera de leitora, não assídua, porque de seu só conheço essa sua coluna semanal tão desinteressante, pretendo aqui dizer-lhe três coisas que são verdadeiras vontades irreprimíveis minhas.
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Primeiramente, gostava de fazê-lo entender que o facto de as pessoas se esconderem atrás de Usernames ou de outro tipo de identificações falsas para exporem em Blogues as suas vontades, opiniões, críticas ou simplesmente basbasquices, não passa por vergonha ou fraqueza nossa.
De facto, para quem não detém colunas em revistas e em jornais há já alguns anos, é igualmente fácil dizer o que nos vai na alma e é, acima de tudo, fácil escrever-se com a alma, escrever-se o que se deseja ao invés do que se nos é "proposto". Não escrevemos com a certeza de que teremos duas mil personalidades distintas a ler atentamente os nossos posts; escrevemos com a certeza de que teremos um Miguel ou um brasileiro à procura de um familiar, ainda que seja apenas esse o nosso singelo leitor. Porque quando escrevemos, escrevemos para quem quer ler, para quem incautamente e provavelmente sem saber bem como nem porquê, sente a necessidade de ligar o computador e de se tornar um cibernauta simplesmente para poder desfrutar da companhia das palavras que vão dando cor ao mundano das suas vidas, conheçam ou não quem bloga.
Blogar é isso mesmo. É escrever-se sobre nós e sobre os outros, sobre o que se vê ou sobre o que se anseia ver sem se ver, sobre "verdades absolutas" ou sobre qualquer coisa minimamente anti-dogmática; discussões com ou sem interesse. E deixe-me ressaltar a pouca relevência que têm os comentários acerca do que se escreve por estas bandas, de jornalistas que visitaram um dia um blogue que denigre as suas imagens e que julgam já conhecer a natureza heterogénea deste mundo de pessoas que, Sim Sr.!, inacreditavelmente, preferem muitas vezes sair à noite com os amigos do que ficar a criticar jornalistas que falam de roupa e de bares da moda, uma vez por semana. Porque, afinal de contas, este não é o emprego de (quase) nenhum de nós; é antes a maneira de dar resposta a vontades irreprimíveis que atingiram um dia as nossas cabeças desprotegidas.
E isso, para que saiba, não tem preço.
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Em segundo lugar, é meu dever informá-lo de que não somos todos uma cambada de ignorantes ou pobres, intelectual e financeiramente. Asseguro-lhe que o facto de termos blogues não se explica pela nossa falta de acesso aos "media tradicionais". Se não note bem que leio o jornal e a revista para os quais trabalha desde os 12 anos.
Se por "acesso aos media tradicionais" quiser referir-se a podermo-nos exprimir neles, então que conste que não pretendemos isso. Eu, pelo menos, não pretendo. Estou muito bem aqui, neste que é o mundo dos blogues, a escrever sobre o que se me oferece para trocar isto por uma coluna como a sua.
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Por último, gostaria de agradecer-lhe a oportunidade que me deu através deste seu artigo, de explicar o porquê de todos os meus nomes nos quais "escondo cobardemente" a minha verdadeira identidade.
Andava desde o dia da criação deste blogue a tentar arranjar algo que justificasse explicações desta natureza. Mas o facto é que o(s) leitor(es) assíduo(s) do Orapazquermorrer me conhecem e conhecem desde sempre a índole nada secreta ou mágica das minhas palavras neste blogue e, especialmente, dos meus "disfarces". E um qualquer ser que por aqui passe sem querer ou a título de curiosidade nunca me (se?) questionou acerca do nome do Blogue ou do nome que uso para assinar os escritos que nele constam.
Mas pela oportunidade que me proporcionou, fica portanto aqui uma tentativa de explicação de todas essas coisas:
O meu namorado era tão
de tal modo extraordinário,
cabia num só livro,
esperava-me na escada,
e já um degrau depois
ia descendo o infinito,
tinha camisolas às riscas,
música entre cantares de amor
pairava no algodão leve,
na relva gulbenkiana,
no desnível mais abaixo,
no banco do lago,
na árvore dos enterros
e para além do bater do sol,
o inchaço, e as estrelas,
fantásticos mas certos, inelutáveis
Terra de sublimação
(tantas paragens por fazer...)
a morenice dos sorrisos enleada...
Aceno-lhe: Gentil, gentil espírito,
sereno quanto forte, que me ensinas
a arte de bem morrer, fonte de vida,
uniste o raro ao raro, e compuseste
de humano desacorde, isento, puro,
teu cântico solista, guitarra e estreiteza.
Esse nome vem, no entanto, de mais longe, de umas páginas primeiras, de um livro chamado Estreiteza. A história de um ser que não consegue adormecer porque existem coisas que o angustiam, entre elas um fotógrafo que quer chorar.
Existem pessoas que me ensinaram a querer viver para um dia querer morrer. Pelas coisas genuinamente inigualáveis que já se passaram, o rapaz (que aqui representa várias pessoas no mundo, tenho a certeza) quer morrer; quer morrer porque "no fim sabia a verdade e era feliz", ainda que a angústia lá se mantivesse. Neste blogue é nesse esforço heróico que tento partilhar um bocadinho dessa verdade. Porque todos são dignos dela.
Até lá... bem, até lá não interessa assim tanto o porquê do nome Branca.
Para si Sr. Vítor Rainho, e para todos os que me lêem, periódica ou excepcionalmente, (e este blogue tem ainda taaaantos anos pela frente) o meu nome é Joana Viana e, tal como o Sr., nunca senti necessidade de me esconder ou de ter medo. Já tenho tempo de antena suficiente em muitos «amendoins» deste mundo, desde o dia 18 de Agosto de 1987, para dizer aquilo que me vai na alma. Sem me esconder e sem medo. Afinal, as ideias devem ter rosto.
Com os meus melhores cumprimentos,
Joana Branca Úrsula Iguáran Buendia Viana.
 
Comments:
não creio que a maioria das pessoas que tem um blog queira dar a opinião sem dar a cara, essa ideia não é correcta... mas que a internet priveligia esse tipo de ideia, isso é verdade. mas por acaso fazia falta explicar uma série de conceitos sobre este blog, que agora estão mais claros. =)
 
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