Grandes dias, pequenas existências
terça-feira, junho 07, 2005
  Maslow e a teoria da auto-realização
Então... estamos todos sentados numa sala de aula a encarar um professor que gagueja e que se perde momentaneamente nos discursos numa média de 45 vezes por aula (mas que nem por isso deixa de ser boa pessoa) e por acaso calha ser uma aula apresentada (supostamente) por uma aluna que precisa de levantar a nota.
Fala-se da Teoria da Auto-Realização de Maslow. Segundo este, os indivíduos auto-realizados são-no se apresentarem determinadas características, a saber: Percebem a realidade de modo preciso, aceitam-se a si próprios, aos outros e ao mundo, são espontâneos e despretensiosos, centram-se mais nos problemas do que em si próprios, valorizam a solidão, são autónomos, reagem com respeito aos mistérios da vida, têm experiências fortes, identificam-se com a humanidade, têm relativamente poucos amigos, mas levam-nos a sério, partilham valores democráticos, têm um forte sentido ético, têm sentido de humor sem hostilidade, são criativos, resistem à enculturação.
Agora vejamos: a realidade que se nos apresenta actualmente é de uma incongruência impressionante; impede por isso a precisão. Os indivíduos espontâneos e despretensiosos são-no quando querem ganhar alguma coisa com isso (lá se vai a despretensiosidade!) e os que são de facto espontâneos e despretensiosos muitas vezes agem como se não o fossem--falava eu de incongruências... Aceitarem-se a si próprios, aos outros e ao mundo? Baahh... remeto-vos para a primeira explicação supracitada. Quanto ao centrarem-se mais nos problemas do que em si próprios é bem verdade; hoje em dia os problemas são os indivíduos em si, centram-se de facto mais nos problemas porque é fácil generalizá-los e inventar novas doenças ou alegar insanidade ou abandonar uma criança de 15 anos porque ela é homossexual. Portanto, reagir com respeito aos mistérios da vida e terem um forte sentido ético?Enfim. Relativamente à autonomia, às experiências fortes e ao sentido de humor sem hostilidade são realmente as qualidades que se cultivam hoje em dia, da criatividade então nem vale a pena falar. Ficamos com a resistência à enculturação e a partilha de valores democráticos. Para se observar o primeiro fenómeno basta passear aqui pelas zonas que circundam a minha casa. Resistem à enculturação? Mas com certeza. Dirijamo-nos todos aos centros comerciais para vermos pessoas a arrastarem-se como gorilas, a tropeçarem nos braços, ou para vermos gente que nasceu na Escandinávia a falar crioulo. E os valores democráticos? Os valores que uma democracia incute nos espíritos são definitiva e indubitavelmente os que representam as mentalidades e as atitudes de todas as sociedades e culturas por este mundo fora. Se não vejamos o exemplo perfeito desta partilha de valores, essa grande nação que são os Estados Unidos da América, país da liberdade e da igualdade para todos e entre todos. Mas com certeza. E se nos mantivermos apenas aqui por Portugal basta irmos assistir a uma aula de Introdução ao desenvolvimento económico e social e ouvirmos colegas a dizer que os homossexuais deviam morrer e que a homossexualidade só devia existir na China para deixar de haver tantas crianças. Ou então se quisermos opiniões bem mais fundamentadas, de pessoas bem mais formadas e sábias do que um simples aluno, ouçamos a Sra. Professora quando diz que devemos respeitar todos os valores inerentes aos grupos de qualquer cariz que possam existir, desde os de ideologia democrática aos de ideologia nazi. Mas pois claro, eu não concordo com os campos de concentração mas tenho de aceitar que haja pessoas que concordem. Porque realmente, o que são os campos de concentração, a xenofobia e o genocídio comparado com esta anomalia que é a homossexualidade?? O nosso sábio colega defensor do slogan "Homossexualidade só na China!" entretanto deu-nos também a conhecer uma outra campanha de que é promotor. Aparentemente, ele é preto porque nasceu assim e não tem culpa dos preconceitos que possam existir porque não passam de ignorância de certas pessoas (nada auto-realizadas obviamente!). Agora, os homossexuais?? Os homossexuais têm escolha! Eles gostam de pessoas do mesmo sexo porque um dia se fartaram de mexer em mamas ou em pilas dos sexos opostos. É verdade: esta é a campanha que agora propomos, associando-nos ao nosso amigo Denilson: "Seja gay por um dia!". Mas nunca sendo filho deste nosso genial colega estudante. Segundo ele, um filho seu nunca será gay. Porque ele pretende ser um pai muito liberal e democrático. Os filhos vão poder fazer tudo o que quiserem (a menos que sejam raparigas...) excepto serem homossexuais e acreditarem em Deus. De resto, a vida vai ser deles e vão, na minha opinião de assitência, ser uns autênticos adoradores do pai.Com os mesmos valores democráticos, como é óbvio!Queremos lá pessoas ignorantes que gozam com gente preta!
E no meio de tudo isto, na minha profunda incredulidade inocente e despretensiosa, fitei de olhos esbugalhados o professor como quem acaba de despertar de um pesadelo muito mau, e perguntei: Então mas como podemos nós identificar-nos com uma humanidade que não apresenta nenhum destes valores que aqui são apresentados como características essenciais para a auto-realização de um indivíduo.
E das duas três: Ou eu falo demasiado rápido e construo frases demasiado compridas (é tudo verdade..) ou então ninguém quer admitir a realidade tal como ela é! O professor obrigou-me a repetir 3 vezes a mesma pergunta, sempre reformulada, até dizer que achava que humanidade nesta frase não tinha esse sentido, que apresentava mas mais um sentido de humanidade utópica, uma com todas estas características.

Deitei a cabeça sobre os braços, pousados na mesa. E juro de coração que tentei sonhar com essa humanidade.
A única coisa que consegui foi lembrar-me momentaneamente de uma frase de Gonzalo Ballester, um homem desiludido com o mundo e angustiado com a guerra civil espanhola, que buscava paz nas diferentes pessoas que, em jeito de Pessoa, o habitavam, e que afirmou: Não posso desejar que ganhem os bons, já que ignoro quem são.

Acho que fico mais e mais céptica a cada dia que passa. E tudo o que eu queria era que me deixassem continuar a ser a pessoa ingénua que fui até há uns anos atrás. (que sou?!)
Acho também que a má-disposição não combina com o cepticismo. Ainda que sejam ambos passageiros..espero! Porque a verdade é que nem dormir consegui.

Esta foi portanto a produção e/ou produtividade da minha aula de psicologia de hoje:
autonomia criatividade pensamento propriedade equação problemas princípios inconformismo dogmatismo relativismo crença religião susceptibilidade causa personalidade filosofia natural confusão absolutismo inquestionabilidade pressuposto ideia asserção pessoa lógico cognitivismo contrariedade esquina saudável paradoxo partida colocar teatro palhaço literalmente profundo criticismo ironia sociedade lixo sentido não chão contexto mostrar diálogo caso objecção pessoa ideal discordância expôr coincidência inflexibilidade aceitação ponto de vista perspectiva ordem alteração colocar convicção níveis político ontologia capacidade questionamento defender tipo sistematicamente revolução conflito labirinto ideias democracia plano social vida argumentos extremismo tudo isso aspecto racionalidade comportamento sociedade idolatria tecnologia ciência admissão escapar nem nunca continuar complexidade complicado expressão simplicidade sentido problematização rama superficialidade novidade conhecimento desejo material óbvio aceitável ver humor amor tempo teoria estética pânico inteligência líder piada caricatura brincadeira seriedade música perigo arte limitação conclusão cópia herança conformismo povo pagamento hora manhã inteligência amizade fim hipótese forma humor ridicularizar fraqueza criticismo pessoa teoria estético factor restrição fundamentalismo acção pintura cultura dizer invenção arma matar obra génese processo aspecto nomear quotidiano sinfonia cientificidade modo indivíduo relação chavo exemplo experiência terapia reconstrução fragilidade recuperação

Acho que sou bastante auto-realizada por estes levantamentos de palavras que faço.

A pior forma de solidão é a de dar-se conta de que as pessoas são idiotas.

Gonzalo Torrente Ballester
É triste. J.A.V.
 
Comments:
a pior forma de solidão é ser um idiota no meio dos idiotas. somos cada vez menos, portanto.
 
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